STJ Anula Condenação de R$ 178 Milhões ao Banco do Brasil em Caso de Calote e Suspeita de Venda de Sentença

Balança da justiça em um tribunal, simbolizando a decisão judicial do STJ que anulou uma condenação milionária.

Decisão do STJ Livra Banco do Brasil de Condenação Milionária

O ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferiu uma decisão crucial que isenta o Banco do Brasil do pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 178,4 milhões. Este montante, comparável aos maiores prêmios da Mega-Sena, seria destinado aos advogados Marcus Vinícius e Ana Carolina Abreu, filhos do desembargador Vladimir Abreu da Silva, e também ao advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, este último apontado pela Polícia Federal como um dos operadores em um esquema de venda de sentenças em Mato Grosso do Sul.

A condenação original havia sido imposta pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), apesar de o Banco do Brasil ter sido a parte lesada em um calote na ação que originou o litígio. A suspensão deste vultoso pagamento foi inicialmente divulgada pelo jornal Correio do Estado e posteriormente confirmada pelo portal O Jacaré. O valor exorbitante dos honorários foi inclusive destacado no relatório do delegado Marcos Damato, da Polícia Federal, que conduz as investigações sobre a suposta venda de sentenças no TJMS.

O Histórico da Dívida e o Início da Controvérsia

O caso emblemático remonta a uma ação movida pelo Banco do Brasil contra um casal de Três Lagoas, referente a um título não pago de Cr$ 46,1 milhões, datado de 12 de março de 1991 – há 34 anos. O processo original foi suspenso devido à inexistência de bens passíveis de penhora para a quitação do débito. Em novembro de 2018, após quase sete anos, a ação foi extinta por falta de movimentação nos últimos cinco anos, e, conforme a decisão inicial, nenhuma das partes foi condenada a pagar honorários advocatícios.

Apesar da extinção sem condenação de honorários, advogados – inicialmente José Afonso Machado Neto, Patrícia Alves Gaspareto de Souza Machado e Geilson da Silva Lima, e posteriormente os filhos de Vladimir Abreu da Silva – ingressaram com uma ação cobrando honorários do Banco do Brasil. O juiz de primeira instância negou o pedido, mas a decisão foi alvo de recurso ao Tribunal de Justiça.

A Reviravolta no TJMS e a Condenação do Banco

Em janeiro de 2021, durante o julgamento no TJMS, a turma composta pelos desembargadores Divoncir Schreiner Maran, Marcos José de Brito Rodrigues e Luiz Antônio Cavassa, deu provimento ao recurso. Eles condenaram o Banco do Brasil a pagar honorários equivalentes a 10% do valor da dívida original, que, é importante ressaltar, nunca foi paga pelos devedores. Neste período, a Polícia Federal aponta que o advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, que se tornaria alvo da Operação Ultima Ratio, já possuía um contrato com os credores para receber qualquer valor que excedesse R$ 60 milhões.

Na fase de execução da sentença, um contador calculou o débito com os advogados em R$ 126,3 milhões em 10 de fevereiro de 2021. Após um pedido de recálculo feito pelo Banco do Brasil, o valor a ser pago aos advogados foi atualizado para R$ 178,4 milhões.

Conexões com a Operação Ultima Ratio

A situação ganha contornos ainda mais complexos devido às investigações da Operação Ultima Ratio, deflagrada em 24 de outubro do ano anterior. Esta operação, que apura a venda de sentenças no TJMS, resultou no afastamento dos desembargadores Vladimir Abreu da Silva (pai dos advogados beneficiados) e Sideni Soncini Pimentel. O advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, um dos potenciais beneficiários dos honorários milionários, é apontado pela Polícia Federal como um dos principais operadores do esquema investigado, e ele, os filhos do magistrado e o próprio desembargador são alvos da operação.

A Fundamentação Legal da Decisão do STJ

Após esgotar todos os recursos no âmbito do TJMS, o Banco do Brasil apelou ao Superior Tribunal de Justiça, onde obteve a liminar que o livra do pagamento. Em seu despacho, publicado na última sexta-feira (29) de agosto de 2025, o ministro Raul Araújo argumentou que houve uma clara violação ao artigo 85, §§ 2º e 10º, do Código de Processo Civil (CPC).

O ministro destacou que a condenação em honorários advocatícios foi baseada em um “proveito econômico inexistente”, uma vez que a dívida original não foi extinta pelo pagamento, mas sim pela prescrição intercorrente. Tal situação contraria o princípio da causalidade, que deveria isentar o exequente (neste caso, o Banco do Brasil) dos ônus sucumbenciais.

Entendimento Consolidado da Corte Superior

Araújo explicou que a Corte Especial do STJ já consolidou o entendimento de que, quando uma execução é extinta em razão da prescrição intercorrente, não se pode impor ao exequente o pagamento de ônus de sucumbência. Ele citou a jurisprudência da Corte, afirmando que:

  • “A causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de compreensível resistência do exequente à aplicação da referida prescrição.”
  • “É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, responsável pela instauração do feito executório e, na sequência, pela extinção do feito, diante da não localização do executado ou de seus bens.”

Dessa forma, o ministro concluiu que o Tribunal de origem (TJMS) decidiu em contrariedade ao entendimento firmado pelo STJ. Assim, o acórdão recorrido deve ser reformado para afastar a condenação da parte recorrente (Banco do Brasil) ao pagamento de honorários sucumbenciais. A decisão, embora liminar, representa um alívio significativo para a instituição financeira, mas o caso ainda poderá ser submetido a julgamento pela turma do STJ para uma análise definitiva.

Entenda a Prescrição Intercorrente e a Operação Ultima Ratio

A prescrição intercorrente é um instituto jurídico que se configura quando um processo judicial, especialmente de execução, permanece paralisado por um período prolongado (geralmente cinco anos em execuções fiscais, mas o prazo pode variar dependendo da natureza da dívida) por inércia do credor em promover os atos necessários para a satisfação de seu crédito. Sua ocorrência resulta na extinção da dívida e do processo, sem que o mérito da cobrança seja julgado.

Já a Operação Ultima Ratio, deflagrada pela Polícia Federal, investiga um complexo esquema de suposta venda de sentenças e decisões judiciais no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. A operação buscou desarticular uma organização criminosa que, segundo as investigações, manipulava o sistema judiciário em troca de vantagens financeiras. As ações da PF levaram ao afastamento de desembargadores e à prisão de advogados e outros indivíduos envolvidos, gerando grande repercussão no cenário jurídico e político do estado.

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